Olhar desconectado Ultimamente tenho andado observando melhor as coisas. Venho prestando mais atenção a tudo ou quase tudo que se descartam pelo caminho: folhas esmaecidas, galhos secos, flores murchas, alguns ninhos e, certa vez, encontrei na calçada pequenos filhotinhos de passarinho retirados de um telhado em construção. A exceção desses inocentes, todo resto, posso dizer que acho lindo, apesar de doloroso. No dia de meu aniversário decidi que iria faltar ao trabalho, embora, salvo engano, "legalmente" pode-se optar por trabalhar ou não. Nesse dia eu quis sair sem compromisso, sem hora marcada para retornar e sem saber ao certo o que iria fazer... Viajei para outra cidade com a sensação de leveza e liberdade, com sorrisos no rosto e gratidão pelas dádivas da vida... Só no finalzinho da tarde retornei. Ganhei flores: orquídeas, rosas do deserto, begônias, alguns lírios brancos. É incrível como cada uma dessas flores foi perfeita no cumprimento de sua função: mesmo sem saber, abraçaram e ornamentaram meu coração e tudo quanto nele faz morada. Depois de alguns dias, já murchas, caídas no chão foram pisoteadas por cada passante, que, inconscientemente, vão deixando impressas suas marcas. Olhando pela janela, fiquei imaginando o ciclo vivido por aquelas flores, de forma tão breve. Pensei no trabalho, no carinho e dedicação de quem as plantou, regou, cuidou diariamente, até à colheita. Bastaram alguns dias para que toda beleza, encanto e frescor se desfizessem. Entretanto, permanece a certeza de que, não somente perfumaram, mas acolheram e fizeram brotar brilhos e sorrisos no olhar e no coração de alguém. Apesar de minhas distrações, entendi que o alvorecer, a passagem e a partida são tão relevantes quanto ficar, fazer-se presença de forma marcante, firmar-se ou se estabilizar. Não é apenas o que tem significado e durabilidade, o que é produtivo, que tem boa aparência que deve ser visto e admirado, valorizado. Embora, sabemos que aquilo que não tem boa aparência, tem defeito, se "desmonta", que se desfaz, se consome, evapora, quase ninguém ver. "Somos" ou melhor, gradativamente nos tornamos (enquanto humanidade) seletivos demais. Precisamos repensar nossas atitudes, nossos hábitos; redirecionar, reeducar nosso olhar, capacitando-o para, no momento oportuno saber desprender-se das coisas inúteis, das futilidades e reaprender a contemplar aquilo que pode ser visto como extraordinário e que aguarda por esse "olhar" a cada novo amanhecer.
Findo aquele dia, ainda embevecida na contemplação me percebi diante de um rio margeado por lindas flores, paisagens verdejantes onde passarinhos e borboletas sobrevoavam. Ali, imóvel, como se fossem sussurros ouvi sábias conclusões: aquilo que se desprende de nós faz parte do todo que somos. Se se desfez, despetalou-se, caiu estrada afora, apenas foram recortes que faziam parte da história de cada um de nós. Imagem: Pinterest Caríssimos, sei que estou em falta com muitos de vocês, algo que não gostaria que acontecesse. Mas quero que saibam que não os esqueço, nem me perdoo se não retribuir-lhes, mesmo gradativamente, todas as visitas. Só um pouquinho mais de paciência. Deus nos abençoe. Beijos. Doces sonhos e bom descanso. www.isisdumont.prosaeverso.net Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 05/10/2021
Alterado em 05/10/2021 Copyright © 2021. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |