Aparecida Ramos -  Prosa e Verso

Palavras que a alma e o coração não calam.

Textos




ENTRE 24 HORAS


Sendo dia, todos os passos existem, naturalmente o belo e o feio se cruzam:
Os preocupados, de passos acelerados e os dolentes mesmo sem serem doentes.
Sendo dia, tudo ou quase tudo pode ser feito às claras, mas há quem opte por fazer muitas coisas detrás das cortinas, atrás de portas que se abrem para entradas, mas se fecham para firmarem-se, à meia luz, negócios mesclados de ilicitudes.

Existe você...
Sendo dia, as pessoas se chocam, se esbarram, algumas pedem desculpas, outras sequer aceitam a culpa de terem feito alguém cair.
O passante e o ficante se entreolham sem se enxergarem, já que a vida principalmente nestes últimos tempos tem mais celeridade, ditada nos ponteiros do relógio. A vida configurada pela desgastante rotina de passos apressados em meio aos semblantes que apesar de demonstrarem carências, passam despercebidos nas urgências de muitos(as). E nem toda carência é de pão.
Há tantos que sequer se perguntam quem são, nem tão pouco sabem onde querem chegar. Muitos não conseguem ver além do óbvio, do hoje, do instante, do agora.

Existe você...
Sendo dia ou sendo noite, por vias de mão dupla ou de mão única, se permitem acessos aos comedidos e aos excessivos; nelas se acotovelam: homens, mulheres, jovens e meninos; inocentes e assassinos, o religioso e o policial, a luz do revérbero e a do faroleiro a orientar viajantes noturnos.

Existe você...
Sendo noite, há trens, automóveis e barcos percorrendo travessias, calculando as distâncias e mirando as miragens dos países onde se faz dia.
Uma ária de piano se faz ouvir, uma voz a brilhar; um sopro do vento; um bater na janela; um ranger de portas; um relógio sobre o criado mudo.
Não apenas isso: - Seres e coisas e ruídos.

Existe você...
Mas existe eu que tantas vezes me questiono, me abandono, me esqueço, adormeço, me perco, me acho, me reencontro, me contradigo, me persigo, e sem cansar, espero, me ultrapasso, me supero.
Despedem-se os derradeiros sopros do arrebol e entram triunfantes as primeiras performances da aurora.

Existe você...
O insuperável, o idealizado ou quase ideal que mesmo em meio ao sono e o sonho, surgem pontos fosforescentes feitos fogos de artifícios na virada do novo ano, que na mesma velocidade desaparecem deixando desconcertante meu olhar.

 
Existe você...
Certamente existe você, belo, discreto, de sorriso meigo e voz suave, possuído de uma timidez que encanta ainda mais. Você que nem sei se conheço ou talvez conheço ao contrário.
E os tons do firmamento numa sincronia invejável; e os gorjeios da passarada no amanhecer; e o despertador matinal presente no canto do galo há 2020 anos. E o choro dos macaquinhos em parques ou reservas em chamas e beijos.

Existe você...
que habita meus sonhos, tantas vezes obstinado a neles se permitir ficar sem pedir, nem aparecer.
"Você que permanece inapreensível na realidade e no sonho.
Você que pertence a mim por minha vontade de possuí-lo em ilusão, mas que não aproxima seu rosto do meu como meus olhos fechados tanto ao sonho como à realidade."
À noite há ventos uivantes, há Lua e estrelas e o vai e vem tenebroso do Mar, das matas, dos rios, das relvas onde deitam-se animais, onde repousa o sereno.
Há os movimentos "sincrônicos e ritmados" dos corações, pulmões e outros órgãos de milhões e bilhões de seres.
À noite acrescente-se a existência das maravilhas do mundo!

Mas existe Você...
que ocupa assento na base de meus sonhos e que faz arrepiar minha pele, excita meu espírito imerso em suas metamorfoses...
Você que sai levando minha luva após beijar minha mão.
À noite, todos os anjos da guarda estão a postos!
Há o sono e os sonhos.
A noite plena de você!
O dia também!
AparecidaRamos
21/11/2020.

Inspiração:
"Entre os espaços do sono"
Robert Desnos
Escritor francês, poeta surrealista.

Imagem de uma página do Google.
 
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 21/11/2020
Alterado em 29/11/2020
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