O que resta de Mim
Sou assim.. Pedaço de sonho violado, rasgado, colado, desbotado, vaiado, retrato apagado pelo tempo, lento, incoerente, vertente de promessas não cumpridas, discursos vãos e indecentes; Voz que se perdeu de si, vagou no deserto, perdida, sobejo que ninguém quer na vida, miragem que você não viu. Sou assim... Espécie de sombra imaginária, portadora de doença rara, vagando solitária, por caminhos incertos, à procura do nada; Fantasma disfarçado, por outros perseguido, atormentado, tentando encontrar algum elo perdido, sem saber em qual foi a estrada. Sou assim... Folha amarelada, ressecada, jogada, levada pelo vento; Um morto-vivo, em meio ao pó misturado a um monte de húmus. Sou o eco daquele que não foi ouvido e do que sequer foi nascido; Sou menina abandonada no abismo profundo. Pivete exposto ao relento e ao crime, com cara de fome, "criado" para ser mau, num beco imundo. Sou assim... Mãe solteira, embora, mulher"ajuntada"de muitos amantes, nenhum foi marido; os revezes da vida me deixaram de fora da roda que gira e avança, dos que conseguem viver do trabalho"digno", sem humilhação, e carregam esperança. Sou assim... Mulher abandonada, analfabeta, desrespeitada, discriminada, viúva de marido vivo; Mal sobrevivo, sem profissão, três filhos pequenos, sem "eira nem beira"; Dessas, que às vezes para matar a fome, recolhe restos jogados, ainda disputados, no fim da feira. Sou assim... Passarinho entristecido, sem liberdade, de voz embargada, asas cortadas, alma aniquilada, sem teto, sem família, sem pão; Sou resto (des)humano, sem amigos, sem alegria, sem planos, sem sonhos... Eu sou assim... Um grito esfarrapado, perdido no vazio; O beijo gélido da boca que só escarro recebeu em troca; Sou repouso na umidade e imundície do chão que a outros pertence; Sou o rascunho do abraço que não tive e que um dia, por não me conter, virei esquecimento; Atracada ao meu próprio abraço morto de frio. ************** Ísis Dumont Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 08/11/2014
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