Menino perdido
No começo entusiasmo com a descoberta. Visitava e comentava diariamente, principalmente poesias. Leitor assíduo. Dava a impressão de que apreciava e sentia-se bem com as leituras... Certa vez afirmou que estava se sentindo como alguém que encontra um “oásis”.
Não foi difícil perceber determinadas dificuldades em sua escrita. Às vezes, palavras em frases “desconexas” sinalizavam a existência de algum distúrbio. Passou a escrever e-mails com certa frequência, inclusive mais de um por dia ou durante a madrugada, eu prestava atenção na hora que escrevia. Mensagens escritas sob forte emoção ou tensão, dificultavam a compreensão. Frases que pareciam querer dizer algo que não ficava claro. Outras vezes, totalmente sem sentido. Falava de sua vida, que enveredara por caminhos errados, confidenciava sobre situações que o levaram a perder o emprego e... mais que isso: perdera esposa e filhos. Ela havia se vingado de uma traição no passado. Morava sozinho em um apartamento da família. Apenas um irmão o visitava a cada 15 dias, a fim de trazer-lhe “mantimentos”. Sobrevivia isolado, longe de tudo e de todos. Dependente de medicamentos fortes. Há quase um ano não saía para nenhum lugar.
Perdera também todos os amigos. Os pais já haviam falecido quando ele ainda era adolescente. Lembro que uma vez falara com muita tristeza, de uma irmã que perdera, ainda adolescente. Dizia que se sentia culpado pela morte prematura, embora sem mencionar a causa. Em respeito a tanta dor, eu não quis perguntar. Eram cartas bastante comoventes, algumas “desesperadoras”. Dava sim para acreditar que vivia um dos piores dramas humanos que uma pessoa pode vivenciar. Em algumas suas mensagens, falava que tinha pesadelos horríveis, via assombrações, ficava em pânico, sentia-se perseguido, tinha alucinações; tudo isso fazia parte do seu mundo solitário e obscuro. Confesso que muitas vezes chorei lendo e sentindo as dores de sua alma, parecia que o conhecia pessoalmente. Respondia as mensagens enviando-lhe palavras de ânimo, de incentivo para que não se entregasse ao desespero, mas lutasse pela vida... Porém, acho que não suportou sozinho o enorme peso daquele fardo terrível.
Lembro de como falava da dor maior por ter perdido o amor dos filhos, a convivência. Dizia repetidas vezes que jamais gostaria de ser uma referência ruim para eles. Depois, já não mais escrevia... Penso que enlouqueceu ou quem sabe, cometeu suicídio.
Meu "amigo" desconhecido era apenas mais um "menino perdido" pedindo "socorro", perdido pela família, perdido para o trabalho, perdido na vida assim como centenas de milhares ou milhões por esse mundo a fora.
O menino perdido morava por aqui, porque também era poeta... perdido das letras.
Reservo-me ao direito de não revelar seu codinome.
Aparecida Ramos
Nana, querida amiga, trata-se de inspiração em um fato real, infelizmente. Um dos últimos e-mails que me escreveu dizia que lamentava por não ter mais condições de continuar no RL, e que era a segunda vez que isso acontecia. Dizia estar sendo perseguido por alguém "daqui". Não sei se era verdade ou se era fruto de suas alucinações. Depois que retirou sua página, também parou de escrever em meu contato. Suas últimas mensagens nem consegui ler, pareciam em outro idioma que nem sei qual seria.
Bom dia!!!!