Aparecida Ramos -  Prosa e Verso

Palavras que a alma e o coração não calam.

Textos



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Morte No Jardim 





Já passava de meia noite... Apesar do cansaço de um dia corrido, o sono estava longe. As lembranças do acidente que vitimara fatalmente seus pais e a única irmã, eram recentes. Uma explosão no carro em que viajavam levou para sempre as pessoas que  mais amava. Três meses se passaram. A dor profunda daquelas perdas irreparáveis ainda doíam, dilaceravam o coração como se tudo acontecesse naquele dia. Sozinha, assiste um filme, quase interminável. É a primeira vez que liga a tv. Nunca assistira filme, desacompanhada. Em sua memória àquela hora estão as cenas da família reunida, principalmente à noite nos finais de semana, na sala diante da televisão. Seu peito libera um longo suspiro. Seus olhos não contém as lágrimas de dor e saudades . Quanta coisa mudou em sua rotina! Não fora "preparada" para viver sozinha. Sair para pagar  contas, fazer compras, resolver problemas do cotidiano, não eram para ela, não estava habituda... Ainda assim, insone decide ir para a cama, mas antes precisa certificar-se de que todas as portas estão trancadas corretamente. Com essa onda de violência, todo cuidado é pouco no quesito "segurança."O silêncio também assusta... Sem ninguém por perto tudo fica chato, monótono. Antes de recolher-se, entra para o banho, liga o chuveiro  de água quente. Logo após, sai "de toalha", pelo menos isso é uma das vantagens de morar sozinha, poder ficar à vontade, longe de olhares de outra (as) pessoa (as). Ah! Se fosse da pessoa amada, sim, valeria a pena! Mas... Nunca amara homem algum, exceto seu pai. Ninguém demonstrava interesse por ela. Até se achava um tanto esquisita, mas resignada pensava, às vezes: "devo ter herdado isso da tia Cecília, que morrera virgem aos 66 anos....Após colocar perfume, o hidratante e a camisola de preferência, resolve tentar adormecer, mas o sono continua além.  Sai do quarto. Seus pensamentos estão confusos. Um pouco assustada pelo silêncio daquele início de madrugada desce a escada que dá acesso ao jardim. Debruçada no muro olha a rua deserta. Àquela hora toda a cidade dorme. Só ela não consegue "relaxar". Pensa, inclusive em maldição dos deuses. Será mesmo um castigo? Mas que mal teria feito?... De repente, ouve passos apressados vindos da rua próxima ao quarteirão que dá acesso ao  cemitério. Decide ocultar-se sentando no primeiro banco do jardim. Suas pernas estão trêmulas. Seu gélido corpo mal se mantém firme ainda estando apoiado no encosto do banco. As pisadas ficam cada vez mais fortes à medida que se aproximam. Ela tenta não pensar em nada, mas é em vão. Seus pensamentos já "fabricaram" um fantasma. Há um terrível nó na garganta. Sua voz está presa, mal consegue respirar. A vista escurece e o coração dispara. Seus membros superiores e inferiores estão enfraquecidos. Sem força nenhuma para se manter sentada  o corpo frágil desliza sobre a grama verde e já orvalhada do jardim. Desmaiada durante toda madrugada, apenas aves noturnas lhe fazem companhia. Pela manhã, quando o sol acordou e trouxe para o trabalho o antigo jardineiro "daquela" que foi um dia sua única família, ele quase infartou ao receber em seus braços, já sem vida o corpo da mulher que durante muitos anos, secretamente tanto amou! 



Isis Dumont
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 01/11/2012
Alterado em 03/11/2012
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