Às vezes eu contava, aproximadamente 30 vagões.
Naquele tempo (segunda metade da década de 60 e início dos anos70), época das minhas viagens, não havia outro meio de transporte.
Viajar de minha cidade (antes uma vila) para Canguaretama, Nova Cruz e, principalmente Natal/RN,
era mais que uma grande aventura, não só pela longa distância.
Eram 18 paradas até chegar na Estação Padre João Maria, na capital potiguar,
Mas sobretudo era uma aventura pela qual eu ficava ansiosa quando chegava o dia.
Eu acabara de fazer 11 anos, quando passei a residir em Natal. Pouco tempo depois, por incrível que pareça, viajava sem acompanhante da família,
Apenas com a população-passageiros iguais a mim. Vinha para Sertãozinho, a pedido de minha mãe, para visitar meus avós maternos, que lá ficaram.
Penso que eu era a única, talvez que viajava sozinha.
Acomodada naqueles bancos espaçosos (com encosto) de madeira, era uma viagem bastante tranquila.
Eu adorava ir olhando pela janela os campos verdes, os animais, as pessoas trabalhando.
As cidades com sua movimentação barulhenta quando o trem parava na estação.
E, quantas coisas se vendiam nas portas e janelas daquele enorme gigante de ferro.
Haviam vendedores que também entravam nos vagões, com suas caixas de produtos.
Vendiam de tudo: biscoitos, refrigerantes (coca, guaraná, pepsi),
água, cocadas, doce e beiju de coco,tapiocas, bolo pé de moleque e vários tipos de frutas, etc.
Havia uma grande movimentação daqueles pequenos comerciantes de todas as idades
que aproveitavam a passagem do trem (que ali tinha parada obrigatória).
Eram tempos muito mais difíceis.
Não havia aposentadoria.
Não havia trabalho. Era a época em que o famoso “êxodo rural” estava no auge.
O trem era um meio de transporte muito seguro. Raramente me lembro de ter ouvido falar de acidentes.
E, havia muito respeito. Era como se cada vagão, alguns até lotados de pessoas (em pé) fosse uma casa de família com muitos ocupantes.
Eu me sentia segura. Não tinha medo de nada. Felizmente não havia as "mazelas" que há na atual sociedade.
Alguns militares faziam a segurança dentro dos vagões.
Os condutores, homens bem vestidos
(de terno e gravata), a maioria bem simpática, conferiam os bilhetes de viagem.
E o trem partia liberando seu apito estridente, de minha terra, às 11:00h da manhã. E chegava por volta das 18:00h ao destino final.
Minha mãe me aguardava com expectativa, porque, afinal se preocupava
em saber que eu precisava viajar sozinha.
Essas imagens são recortes importantes do meu passado.
De um passado que, embora eu não desejasse tê-lo de volta, não foi ruim.
Teve sua importância em meu crescimento, e momentos felizes.
Penso que foi por aí que eu comecei a adquirir maturidade.
E sem perceber, sem me dar conta, de repente, me vi menina, ou nem me vi.
Às vezes penso que só fui criança e adolescente até meus 11 anos, quando perdi meu pai.
Não lembro de ter me olhado no espelho e não ter me visto sempre adulta.
As pessoas, essas sim, me viram menina fazendo papel de adulto, no tocante a muitas atividades doméstica, para ajudar minha mãe...
Mas eu não me arrependo.
Fui feliz mesmo assim, e isso me levou a ser isso que hoje eu sou:
Uma pessoa apaixonada pela vida,
que ama a Deus e ao próximo..
Uma pessoa FELIZ!
Isis Dumont
Foi com muita surpresa que recebi esta poesia inspirada (segundo o poeta) em meu texto, e não poderia deixar de publicar... Com muita alegria parabenizo e agradeço (de coração) a belíssima interação do amigo poeta Ademar Siqueira, a qual deixou minha página mais iluminada!
Felicidades e grande beijo em seu coração!
Um olhar na estação
Olha o trilho, olha o trem,
Um dia vai e outro vem,
Mas o que é que fica dessa viagem?
A pequena personagem é que tem...
Tem no olhar o registro da paisagem,
O sumo da alegria que o sol deixava,
Das manhãs radiosas impressas na retina,
Que na sua lembrança de menina ficava.
O cheiro do campo e a mata silvestre,
Cortando o agreste daquele sertão,
Tinha gente, tinha bicho e pastagem.
Havia um renovo em cada estação,
A pequena personagem tudo observava.
Na pequena bagagem que levava,
Trazia sonhos e muita coragem,
Um turbilhão de aventura era a viagem.
O sinete tocava anunciando a partida,
O brilho em seus olhos já declarava,
Rompia o trilho que em sonho levava,
Pensamentos de menina na estação da vida.
Ali sozinha cercada de muito movimento,
Porém guiada pela prece da mãe, os cuidados.
Cada vagão se revestia de acolhimento
Por condutores e assistentes bem fardados.
Quanta recordação se pode reproduzir
Do teu coração de mulher viajante,
Aquela menina continua a ir...
Seus trilhos a levam a lugares distantes,
Quantas rosas ainda há para descobrir?
No cantinho do olhar repousa o gigante,
No caminho de ferro uma curva, uma poesia,
É a tua alegria na estação mais colorida
E na aventura dessa vida, você segue adiante.
Ademar Siqueira