AO SOM DE UM VIOLÃO
Ontem foi meu primeiro dia de trabalho no Abrigo. Orgulhosamente sou voluntária. Sempre carreguei esse sonho comigo. Não consigo ser estável vendo as pessoas sofrendo, principalmente crianças e idosos.
Muitas vezes, dependendo do que vejo pela TV, não consigo me alimentar nem dormir direito. Fico horas sofrendo, com minha paz inquieta, sempre querendo fazer algo concreto em prol de alguém. Algumas vezes, assisto fatos tão tristes que "acabam com o meu dia." Nesses momentos me vejo chorando em frente à TV ou ouvindo rádio, quando mães desesperadas pedem ajuda para tirar os filhos de 10 ou 12 anos das drogas, porque segundo elas não tem mais o que fazer e até ameaçam matar o filho e se matar em seguida , caso não recebam ajuda. Ultimamente, quase não vejo esse tipo de programa. Prefiro utilizar minhas horas livres (quando estou em casa) para ler, pesquisar e escrever na tela do meu computador, como estou fazendo agora. As notícias são, às vezes até mais light. Nos programas televisivos há muito sensacionalismo e eu preciso preservar a saúde de meu "lindo" coração. rsrsrs. Mas voltando ao Abrigo. Sensibilizou-me demais aqueles garotos egressos da Cracolândia. Sujos, maltrapilhos, com problemas dermatológicos e quadro psiquiátrico visíveis, além de outras complicações. De feições deterioradas e almas sem nenhum encanto pela vida, apesar de tão pouca idade. Muitos nem sabem de onde vieram, esqueceram o próprio nome, o nome dos pais, apagaram-se da memória as próprias raízes. Agora há um longo caminho a ser refeito. Há que se buscar com eles e para eles um ressignificado para a vida. Para a vida que ficou perdida nos guetos, em outros becos. Lá atrás, na família que não tiveram, no amor que não lhes alimentou, na ternura e no colo que não receberam, nos beijos e abraços que lhes negaram... E agora, eu me vejo ajudando a resgatar essas crianças e adolescentes das ruas, do tráfico, do consumo de drogas e entre elas, do devastador de vidas-o crack. Me alegra e me enche de esperanças saber que eles ainda podem sonhar. Alguém quer ser bombeiro. Outro quer ser artista plástico. Outro, dançarino. Artista de circo. Enfim, nossos meninos ainda sonham com um mundo melhor, com uma vida restaurada e por isso eles precisam de ajuda. De gente que lhes ensinem a reaprender os passos que perderam. A caminhar na busca da construção de uma vida em plenitude. De gente que ame, que abrace, que lhes toquem e lhes escutem olhando nos olhos. Gente que fale com eles e para eles, e de gente que, muitas vezes ouça-os em silêncio. Ontem, sentamos em baixo de uma das árvores do bosque em volta do Abrigo. Meu amigo tocava violão e eu com os meninos cantávamos a música de Roberto Carlos "Jesus Cristo, Jesus Cristo... Eu estou aqui!..." e mais outras músicas com melodias lindas e letras/mensagens para a vida. Também cantamos e dançamos um rap, feito lá mesmo com a ajuda de alguns que ainda conseguem pensar um pouco melhor. Foi muito legal experimentar com eles aquela sensação de alegria, felicidade e solidariedade. E poder ver em seus olhos o apelo, o pedido de socorro para sair daquela realidade triste, cruel e destruidora de vidas tão precocemente. É muito gostoso ouvi-los me chamar de "tia", de "mãe" "professora" ou de "irmã", de "doutora" ou simplesmente "Aparecida". Para mim, momentos assim, não há dinheiro que pague. Eu nasci assim, sou isso mesmo e amo ser desse jeito, não sei e não saberia viver diferente. Pena que eu moro numa cidade pequena, longe de tudo, porque eu adoraria trabalhar na periferia de uma cidade média ou grande, ajudando a buscar a dignidade perdida dessas criaturas. E você se surpreendeu com esse meu desejo?... Pareço louca?... Se for por amor... sou sim, louquinha de verdade e ao mesmo tempo com juízo, paciência e amor transbordando... rsrsrs É porque você não me conhece! Sou capaz mesmo de alimentar sonhos assim, por mais que alguém ache estranho, para mim é apenas mais um sonho que eu gostaria de realizar. Mas... por enquanto é somente isso: (intencionalmente) Minha Prosa Poética! "Com o melhor de mim pra você que me ler:" Isis Dumont Imagens do: Google. Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 12/02/2012
Alterado em 15/02/2012 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |