Aparecida Ramos - Prosa e Verso
Palavras que a alma e o coração não calam.
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Escândalo em quarto de hotel


Com os olhos arregalados e a respiração quase ofegante, Rodolfo conferia, olhando no celular o tempo que faltava para chegarmos até o aeroporto e fazermos o check in.
Através do espelho no toucador, percebi 
também que além de está bastante tenso, Rodolfo caminhava “para lá e para cá”, como se procurasse com o olhar algo importante, enquanto aguardava o motorista.

Eu, apesar de não demorar muito para me produzir, estava concluindo a maquiagem e até gostando desse pequeno atraso. De repente ouvi quase um brado do meu marido: “Que diabos aconteceu, que Henrique ainda não retornou?...  E Fabrício, por que não lembrou do que lhe recomendei, quando disse-lhe  para voltar depressa? Afinal, esse "pet hotel" não fica distante!”

Fabrício é nosso único filho, o mesmo iria com Henrique (motorista) somente até o aeroporto, tendo em vista que a viagem seria exclusividade nossa, não admitindo nenhum outro(a) acompanhante.

Uma música romântica estava tocando e eu me deliciava ouvindo e recordando lugares e lindos momentos vividos antes de me "prender" a Rodolfo, que ali deixaria por algum tempo.

Nossa segunda lua de mel (fora do país) seria também um motivo a mais para conhecermos cidades antigas e pontos turísticos em outros países vizinhos.
Rodolfo veio perto de mim, conferir se já estava pronta. Tentei acalmá-lo, afagando seus cabelos ralos e beijei levemente seu rosto suado, consequência do estresse causado pela espera dos dois "irresponsáveis".

Bem que "Plutz" (nosso cão de estimação) poderia ter ficado em casa sob os cuidados da "secretária", disse-lhe com voz mais suave, temendo sua reação. Em se tratando de Rodolfo, as reações podem ser surpreendentes, explosivas e até deasatrosas. Para tentar acalmá-lo, liguei para Fabrício, que me tranquilizou, pois, dentro de poucos minutos estaria chegando.

Com os devidos cuidados, porque eu já estava pronta para sair e nossa auxiliar havia ido ao médico, preparei um delicioso suco de maracujá e o fiz beber junto com um tranquilizante "natural". De tanto fazer uso de medicação forte (tarja preta), seu organismo já está dependente. E o resultado disso é a ausência de efeitos sobre alguns dos problemas de saúde que a cada dia ficam mais complicados.

Os "meninos" logo adentraram e felizmente meu marido estava calmo. Dentro de 40 minutos estávamos nós no aeroporto na fila do check in. Rodolfo, que curte viajar a passeio e raramente pode fazer isso, estava feliz, sorridente parecendo criança. A espera no salão de embarque durou apenas 25 minutos. O voo, durante a tarde e início da noite, foi super tranquilo e  o desembarque foi motivo de agradecimento por estarmos bem.

O "serviço de taxi" do aeroporto nos levou para o hotel em uma área nobre e reservada daquela maravilhosa e deslumbrante cidade. Nosso quarto, com vistas para o jardim e um imenso lago de águas azuis, onde nadavam vários cisnes, lembrava o paraíso. Nunca me senti tão bem, tão feliz, tão eu.

Era a segunda vez que Rodolfo visitava a cidade. Havia seis meses que fora a trabalho, participar de um congresso com os diretores da empresa, na qual é um dos sócios importantes.

A primeira noite foi realmente uma renovação de nossa lua de mel, justo como havíamos previsto. Mas a alegria, a euforia e a felicidade duraram apenas uma noite e algumas horas da manhã do dia seguinte.  

O homem com o qual me casei e convivo há alguns anos, sendo além de esposa, mãe (de coração) de seu filho e parceira dedicada nos negócios, possui dupla personalidade, além de ser extremamente ciumento, autoritário e arrogante. Por esse motivo, não foi muito fácil me convencer a viajar. Apesar de apreciar viagens e desejar conhecer lugares interessantes fora do meu país, eu já havia sofrido e aprendido o suficiente para conhecer um pouco mais sobre Rodolfo.

Foram meses de conversas, discussões, enfim, promessas ditas e repetidas, de que nada desagradável iria acontecer, principalmente durante o passeio com o qual sonhávamos desde que nosso filho passou a morar sozinho.

Minha sensibilidade e ainda uma certa ingenuidade contribuíram para que eu me comovesse diante de seus apelos e promessas, e aceitasse viajar, a princípio sem data marcada para retornar.
Tudo parecia transcorrer normalmente entre nós.
Na manhã seguinte após o café, saímos para conhecer alguns pontos turísticos da cidade. Ao retornarmos, por volta do meio dia, deixei Rodolfo descansando no quarto, enquanto aguardávamos a hora do almoço e fui ver de perto o lago e os cisnes.

Aproveitei para colher algumas rosas vermelhas e trazer para pôr sobre o criado mudo, lembrando as flores que me presenteara quando éramos namorados. Não demorei muito, pois sabia que meu marido não ia gostar de ficar sozinho no quarto, enquanto eu me distraía lá fora. Ao retornar, encontrei-o com o rosto um tanto vermelho, sentindo náusea e dores de cabeça. Convenci-lhe a tomar um analgésico e liguei para o pessoal da recepção chamar um taxi.  Fomos atendidos em uma clínica particular de renome. Meu marido foi medicado e aconselhado a repousar bastante o restante daquele dia. De volta ao hotel, Rodolfo solicitou que o almoço fosse servido no quarto, ao que foi protamente atendido.

Depois do almoço, disse -me que iria descansar, enquanto eu poderia ir curtir a paisagem lá fora, caso desejasse. Me vesti "de acordo" e saí para dar uma volta, que não durou mais de uma hora. Retornando, enquanto atravessava um dos corredores que davam acesso ao quarto, me deparei com o gerente, que sem querer (acredito) me fez tropeçar e cair. Um pouco preocupado, mas com muita calma e educação, o jovem segurou meu braço e ajudou-me a levantar. Naquele momento, meu marido estava saindo do quarto, vinha em direção à sacada do prédio, justamente para ver se me avistava. O rapaz, segurando meu braço e falando comigo, pedia desculpas insistentemente. Rodolfo, ao ver aquela cena e sem nada compreender, ficou transtornado, retornando em seguida para o quarto e bradando como costumava fazer em casa. Bateu fortemente a porta e passou a gesticular e falar aos gritos, maldizendo a hora em que decidiu me convidar para viajar. Atirou meus pertences pela janela e disse-me para ficar na cidade e morar com o gerente, que, segundo ele, já era meu pretendente. Eu desejei sumir dali, diante de tanta decepção. Que vergonha, meu Deus!! Rodolfo descumpriu literalmente o compromisso que havia firmado e até jurado antes de viajar.

Naquele fim de tarde eu não me contive e chorei feito uma louca... Meu marido continuava descontrolado, sem aceitar argumentos, não parava de falar para me ouvir nem tão pouco quis ouvir os funcionários do hotel. Uma ambulância foi solicitada e ele foi conduzido a um hospital psiquiátrico. Seu problema agravou-se cada vez mais.

Aquela situação significou apenas "a gota dágua" para que seu problema viesse à tona. Internado durante 30 dias e necessitando de acompanhamento por especialistas por um período não inferior a seis meses, Rodolfo decidiu não mais retornar para o Brasil. Eu ainda estava na cidade esperando que o mesmo pudesse retornar comigo. Precisei (de comum acordo com Rodolfo) voltar para levar adiante os negócios na empresa, dessa vez trabalhando mais que o dobro.

Quando recebi (dele) a notícia de que não mais retornaria, decidi me divorciar, embora ele ainda alimentasse a esperança de que um dia eu me arrependesse e voltasse para seus braços. Atualmente vivo muito feliz, casada com seu melhor amigo, um dos gerentes, homem da mais alta confiança na empresa. 

Ao tomar conhecimento de meu novo relacionamento, logo no início, o "pobre" Rodolfo tentou tirar a própria vida disparando um tiro de revólver calibre 38, no ouvido. O remorso por tudo que me fez passar naqueles anos em que estivemos casados, certamente não lhe deixarão ter paz de consciência.

Rodolfo, antes desse ato insano, há muito tempo já havia assassinado tudo de melhor e mais bonito que eu sentia por ele. O amor, por maior e mais intenso que seja, não sobrevive se for maltratado. Quando ainda é possível continuar sob o mesmo teto, é simplesmente por solidarieadade, respeito ao ser humano e... amizade, talvez. 
Que sua alma, se "existir", descanse em paz, se puder.

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Ísis Dumont
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 11/08/2014
Alterado em 12/08/2014
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