Aparecida Ramos - Prosa e Verso
Palavras que a alma e o coração não calam.
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Então, não  é Natal
 

O sol baixava os últimos raios, era chegada a hora de escondê-los na gaveta do arrebol. Um homem caminha apressado, olhando para trás e para os lados, parece querer avistar alguém para pedir auxílio. Usa um boné bastante surrado, com o logotipo de uma oficina.  Ainda épossível ler o nome em letras quase apagadas: “Oficina Dois Irmãos”.
O cidadão, que aparenta ter uns 45 anos, se apressa cada vez mais, está bastante tenso, retira o boné, deixa a calvice à mostra, e coça a cabeça.  A viagem parece sem fim. A cidade (logo após um aglomerado de casas populares) fica distante e àquela hora é muito difícil encontrar transporte e principalmente alguém a pé, fazendo aquele trajeto que tem “fama” de perigoso. Persistente em seu objetivo continua a passos largos a busca pelo local pretendido.

Enfim, chega ao povoado, onde logo na entrada avista um velho conhecido motorista, funcionário da prefeitura. O mesmo é orientado pelo secretário de saúde do Município, para socorrer as pessoas na região, em nome de um contrato firmado com a edilidade desde a primeira gestão do Dr. Queiroz de Mello, tendo em vista que o mesmo foi reeleito no último pleito.

A conversa entre viajante e  motorista, foi breve. Tempo suficiente apenas para que o carro fosse retirado da garagem e em seguida abastecido no posto de propriedade do irmão do prefeito.

O homem agora apresentava uma fisionomia um pouco mais tranqüila, embora seu olhar não conseguisse disfarçar certa inquietação, uma angústia que lembrava alguém que perdeu algo muito valioso ou no mínimo está pressentindo uma tragédia. Talvez não fosse nada disso, apenas coisas de sua mente “criativa”, que também tinha o péssimo hábito de profetizar acontecimentos ruins, embora, na maioria das vezes não passavam de “mal agouro”.

Quarenta minutos depois o carro estaciona em frente à humilde residência. Os dois saem do veículo, em silêncio, o mesmo silêncio que se fez durante o trajeto. O cachorro “Bidu”, velho e fiel companheiro das caçadas ao meio dia nos finais de semana, abanando o rabo corre ao encontro a lamber-lhe as mãos. Solta uns três latidos perante o desconhecido, mas logo é repreendido pelo dono. Na casa ouve-se fortes gemidos, um choro abafado de vez em quando é prenúncio de que alguém realmente necessita de socorro... Em cima do fogão à lenha, uma panela com água quente, em uma pequena mesa "desforrada"e desarrumada, havia algumas ervas verdes,  Xícaras usadas eram sinal de que ali alguém havia feito uso de vários chás, certamente na tentativa de acalmar a pessoa que aguardava por ajuda na busca por atendimento médico.

Os dois entram no pequeno e escuro quarto. Uma lamparina exposta na parede lateral (ainda sem reboco), serve para iluminar precariamente o ambiente. Quase desfalecida está a mulher grávida de nove meses e alguns dias. Sem falar palavra alguma é conduzida nos braços do marido, com ajuda do motorista é levada até o carro. Partem com destino à cidade mais próxima, sede do município onde fica a maternidade. No trajeto, vários trechos esburacados dificultam  a passagem do veículo.  É preciso cautela para não causar acidente.  

A mulher respira com dificuldades, seus olhos apresentam cor arrocheada nos contornos. O marido tenta conversar com a mesma, mas ela já não reage nem com movimentos. Seu corpo começa esfriar. Ele entra em desespero, começa a gritar, clamando por Deus. Em sua mente passa um filme de uma situação semelhante já vivenciada com a primeira mulher, quando em um acidente perdera a vida, grávida de oito meses. Era seu primeiro filho. Agora só faltava acontecer mais uma tragédia, para sua existência perder todo sentido que pensava ter recuperado há mais de cinco anos . De repente é interrompido pelo motorista que pede calma dizendo-lhe que já está chegando na cidade...  

Enquanto isso, cenas de outro filme lhe vem à mente. Começa a imaginar o que fazer para se manter com a mulher e o bebê que está chegando, justamente agora quando fora despedido pelo irmão, da oficina onde trabalhava... Fechava os olhos ´por alguns segundos, lembrava dos conselhos de sua falecida mãe, dos "ditados" que a mesma gostava de repetir, entre esses havia um que dizia: "Deus dá o frio conforme o cobertor". Isso lhe fazia acreditar que o amanhã seria melhor, que iria conseguir outro trabalho para sustentar sua família.

Quinze minutos depois, às 21:30h, do dia 24 de dezembro de 2011, dão entrada na maternidade onde mãe e bebê não mais precisavam de atendimento médico nenhum.


Ísis


 
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 09/12/2013
Alterado em 10/12/2013
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