Aparecida Ramos - Prosa e Verso
Palavras que a alma e o coração não calam.
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Não reconheci


Sem esperar, de repente cruzamos no mesmo sinal. Nos cumprimentamos com certa brevidade. Percebi em seu olhar que desejava conversar, mas, por estar com pressa me comprometi de fazer-lhe uma visita logo que fosse possível. Dez meses se passaram, e, nesses últimos dias lembrei que precisava honrar o compromisso assumido ali no meio de dezenas de carros naquele cruzamento tumultuado.

Organizei (com o auxílio de uma vizinha) as coisas em casa e, “pé na estrada” rumo a outro Estado. Minha amiga, por problemas familiares aliados ao trabalho do marido, decidira mudar de cidade e de estado. Havíamos nos falado várias vezes nesse período, por telefone e pela net. Parecia-me que na nova casa tudo ia bem. Ela conversava normalmente, falava do entusiasmo dos filhos (criaturas adoráveis) diante da perspectiva de mais e melhores oportunidades na cidade grande.  Foram pouco mais de duas horas de viagem. Nem foi necessário levar acompanhante, por já ser há muito tempo“ambientada” com o percurso. Saí cedinho, assim que o sol despontou os primeiros raios sobre a terra.

A viagem foi bastante tranquila. O dia e horário escolhido contribuíram também para que não enfrentasse maiores movimentos de veículos indo e vindo. Não foi difícil localizar o endereço (por já haver morado lá e de vez em quando visito), apenas precisei saber da mesma um ponto de referência. Mora em um bairro nobre da capital potiguar (Natal/RN), próximo a um grande centro comercial, onde tem acesso a todas as "facilidades" do dia a dia.

Ao tocar a campainha fui recebida por sua filha caçula, a mesma tem a idade do meu filho mais novo, 22 anos. Na casa, tudo está em perfeita ordem. Dayse sempre fora bastante organizada. Também sou assim. Temos muitos pontos em comum, certamente por isso nos identificamos tanto, desde que nos conhecemos cursando a mesma faculdade. Na época ainda éramos solteiras.

Era pouco mais de 07:00h da manhã. Dayse, ao ouvir minha voz, saiu do quarto vestida em um roupão de seda na cor verde água. Um lenço sobre a cabeça me chamou atenção.  Sua voz é a mesma de antes, mas fisicamente minha amiga está sendo consumida. Quase não acreditei que estava ali diante dela. Não a reconheceria, caso a encontrasse em outro lugar,a não ser que escutasse sua voz.

Seu olhar lindo e terno já não é mais o mesmo. Agora, acumula uma nuvem cinza de dor e tristeza. Perdera ao longo de pouco mais de seis meses (desde o diágnóstico) ,quase trinta quilos. Um câncer (raro) no intestino está devorando-lhe tudo que havia de melhor em seu organismo. As sessões de quimio deixaram-na sem seus lindos cabelos castanhos claros. Sua pele enrugada me fez pensar estar diante de uma pessoa de mais de setenta anos.

Dayse conversou bastante sobre sua enfermidade. Fez questão de mostrar-me a cabeça descoberta, lembrando com saudades do tempo em que íamos para o salão mudar o visual a partir dos nossos cabelos. Sabe que está desenganada pela medicina, mas seu coração cheio de fé, ainda acredita em um milagre. Perplexa e muito triste, fiz o possível para tentar ocultar minha dor e surpresa. Falei pouco, apenas me contive a ouvi-la e a admirar tamanha força de vontade de viver. Disse-me que minha presença era o melhor presente naquele momento. Perguntou pelas pessoas amigas e conhecidas, nessa hora até rimos um pouco, esquecendo a dolorosa realidade.

Seu esposo estava no trabalho, só chegou no fim da tarde. Me contou (ausente dela) sobre todo sofrimento que tem enfrentado sem retorno, pois em nenhum dia, Dayse sentiu algum progresso no tratamento. Samuel, enquanto conversava comigo, chorou várias vezes, parecia uma criança perdida dos olhos da mãe. Fiquei bastante comovida, emocionada também chorei, mas me esforcei para reanimá-lo e passar a confiar mais em Deus e nos médicos.
Apesar da visível "impossibilidade" de cura, milagres ainda acontecem!

No dia seguinte, após o café da manhã, nos despedimos entre lágrimas e risos. Ela estava feliz por nosso reencontro, visto que, por viver doente desde que chegara para morar, não teve tempo para construir novas amizades.
Me comprometi de retornar antes da festa de ano novo. À medida que me afastava do local, ainda pude vê-la no portão, apoiada pela filha, com um lenço verde na mão acenando e me mandando beijos.


 

Isis Dumont
Viagem que fiz nesses dias "ausente" do Recanto.
Fiz umas fotos, mas por questão de ética reservo-me ao direito de não publicar, nem citar seu nome verdadeiro.









 
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 29/11/2013
Alterado em 29/11/2013
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